quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Hoje é Natal

“Hoje é Natal”
O avô Fernando chegou de longe com uma mala muito pesada.
Ajudei-o a levá-la para o meu quarto e não o larguei mais, enquanto não a abriu.
- O que traria ele dentro daquela mala tão grande? Prendas de Natal? Surpresas? Brinquedos? Livros? Perguntava a mim próprio.
- Ó avô, o que é que trazes?
- Tem calma, tem paciência que logo te mostro! – Aconselhou, ainda com a voz cansada por ter de carregar aquela mala.
- Anda lá, diz-me só a mim que eu não digo a mais ninguém!
- As prendas e as surpresas só se mostram logo, depois da ceia. Não sejas chato!
- Diz-me, que eu prometo guardar segredo! – Insisti.
Começou, então, a abrir a mala devagarinho e eu fiquei à espera que de lá de dentro saísse qualquer coisa de mágico: um avião que voasse – vrrruuum, vrrruuum – ou qualquer coisa assim...
Mas não. Apareceram a escova de dentes, a gilete, o pincel de barba, uma toalha de rosto, o seu pijama e vários embrulhinhos.
- Avô, que prenda me vais oferecer?
- Que prenda me vais dar tu? Perguntou-me ele
Não lhe respondi.
A um canto, estava um rolo envolvido em papel azul-marinho, prateado.
- E isso, o que é? É um telescópio? É um caleidoscópio?
- Isso? Isso é uma luz para o Natal! Eu chamo-lhe Espírito de Natal...
E como eu não parava de fazer perguntas, ele achou que o melhor era desembrulhar o rolo de papel prateado. E, quando o ia a fazer a minha mãe chamou-nos:
- Venham para a mesa!
O meu avô ainda muito cansado, desceu devagar e eu acompanhei-o
O meu pai, que se fechara na sala de jantar a preparar uma pequena brincadeira, assim que íamos a entrar fez:
- Té té té tzzéééé !!! - E abriu a porta e as luzes.
A sala tinha um cheirinho bom a rabanadas, a sonhos, a filhoses e a aletria com desenhos de canela. Estava tudo muito bonito e até a música ambiente eram as vozes de anjos de um CD que a minha mãe comprara de propósito para aquela noite.
Por cima da lareira, o meu pai pôs o presépio e ao canto construiu uma Árvore de Natal, apenas com ramos de pinheiro, porque pensava ele que as árvores não se deviam de abater.
Disse-me uma vez:
- Se um dia tiveres de cortar uma árvore, deves pedir-lhe desculpa, ouviste? Uma árvore é um ser vivo!
A seguir o meu avô pediu-me que fosse à sua mala buscar o Espírito do Natal.
Ao ouvi-lo, os meus pais cruzaram o olhar e eu, subi a correr as escadas que davam para o meu quarto, pois a minha imaginação quase rebentava de curiosidade. Ainda ouvi o meu avô a dizer:
- Então, vens ou não?!
- Desci as escadas a correr e entreguei-lhe o rolo de papel prateado. Fiquei à espera, para ver o que de lá saía.
Era agora, era agora que eu ia conhecer o tal Espírito do Natal.
Como o avô desembrulhou o rolo com muito cuidadinho, eu comecei a acreditar que, se calhar, havia mesmo qualquer mistério.
Desenrolou, desenrolou, até que... apareceu uma simples vela de cera branca.
Oooohhhh! Uma vela! – Disse de mim para mim, muito desiludido.
Embora a sala tivesse bastante luz, o avô Fernando riscou um fósforo e pediu à minha mãe um castiçal, acendendo a vela e colocando-a no centro da mesa. Depois disse:
- Na chama desta vela mora o Espírito do Natal! Nesta noite, nesta mesa e nesta chama, para mim estarão presentes todas as nossas recordações e todas as pessoas de quem gostamos.
Assim que acabou de dizer isto o meu avô ficou triste e a minha mãe dando-lhe um beijo, disse-lhe baixinho:
_ Então, então, pai hoje é Natal!
O avô concordou e disse:
- Vamos à ceia!
Depois comemos, rimos e jogámos até chegar a hora da distribuição das prendas.
O meu pai deu-me um livro, a minha mãe uma camisa aos quadrados e, o meu avô, umas grossas meias de lã, pois como ele andava sempre com os pés frios, se calhar, pensou que eu sofria do mesmo mal.
Eu fiquei muito desconsolado porque esperava um brinquedo.
O meu avô olhando para mim chamou-me para a sua beira e disse-me:
- Olha para a luz da vela.
- Vês alguma coisa?
- Não vejo nada. Só a chama a dizer não, devagarinho!
- Para mim, na Noite de Natal, esta chama significa tudo o que o ser humano tem de bom dentro de si: a saudade do amor, da amizade e da partilha das coisas. É por isso que lhe chamo o Espírito do Natal. Nesta noite, quando olho atentamente a luz da vela, lembro-me com muito carinho, de todas as pessoas que conheci e de quem gostei muito.
Estou agora a olhar para ela e a lembrar-me do Natal mais lindo que eu tive em toda a minha vida. Queres que te conte?
- Conta, avô, conta!
E o avô contou uma história verdadeira e muito triste, que se tinha passado na sua terra, quando que ele tinha a minha idade.
E, no fim, quando o avô Fernando se calou, olhei para a chama da vela e senti que o Espírito do Natal, estava ali e me tinha visitado, também, naquela noite.

História adaptada do Conto de José Vaz, “ Hoje é Natal “
Cidalina Oliveira

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